A autora, M. Atwood. Google imagens |
O segundo destaque, o post-it laranja, é de um recorte da página 195 do livro de Atwood. O mesmo descreve com alguns detalhes às atribuições das Tias na "educação" das Aias. As tias não eram apenas responsáveis por ensinar bons modos, com ou sem o uso de violência e de tortura, mas também a inculcar na mente dessas mulheres a importância de servir ao projeto reprodutivo e repovoar a República de Gilead, que amargava um baixo índice de fertilidade e natalidade.
Em parte do trecho podemos perceber a importância dada a essa repovoação:
Para as gerações que vierem depois, dizia Tia Lydia, será tão melhor. As mulheres viverão em harmonia, todas numa única família, vocês serão como filhas para elas, e quando o nível da população voltar a subir de acordo com as expectativas, não precisaremos transferir vocês de uma casa para outra porque haverá mulheres suficientes.
Entretanto, o preço dessa dedicação é o abuso sexual por diferentes homens. Homens velhos, que provavelmente não são mais férteis, mas como Comandantes, são os escolhidos como perfeitos espécies reprodutivos. Durante à leitura do livro, essa questão também vai sendo questionada.
Quando você espera por um olhar cuidadoso, uma preocupação com essas mulheres e seu papel social, a autora nos surpreende mais ainda:
Poderão existir verdadeiros laços de afeto, dizia ela, piscando para nós de maneira insinuante, sob condições como essas. Mulheres unidas para um fim comum! Ajudar uma às outras em suas tarefas cotidianas enquanto percorrem o caminho da vida juntas, cada uma desempenhando sua tarefa determinada. Por que esperar que uma mulher desempenhe todas as funções necessárias à administração serena de um lar? Não é razoável nem humano. Suas filhas terão mais liberdade.
A tal tia Lydia ensina também que ser uma boa aia consiste em cuidar uma da outra para que todas sirvam ao mesmo fim. E isso poderia lhes trazer benefícios futuros. Mas, o que se conta no restante do romance de Atwood é justamente ao contrário. Aias tem algumas chances para engravidar, caso isso não ocorra, deixam de ser mulheres "privilegiadas". São descartadas.
Até agora falamos sobre aias. Mas, todas as mulheres no livro tem um papel determinado. Mesmo as mulheres inférteis, velhas e doentes, tem um papel nessa comunidade. Serão elas as mães dos bebês gerados pelas aias, mesmo que não possam parir. Há uma institucionalização do uso do corpo feminino, retratado em várias situações no livro. Aias são reprodutoras, as tias, castradoras. E, ainda tem as esposas, as Martas, que são meras empregadas e assim por diante. As mulheres no Conto de Aia de Atwood são rotuladas e exploradas, todas, de uma forma ou de outra.
O livro foi lançado em 1985 e Atwood sofreu boicote e muitas críticas das feministas. Atwood estava sendo machista ou realista? Trinta e três anos depois, Atwood deveria ser criticada ou aplaudida? Somos mais ou menos exploradas, agredidas e violentadas em pleno ano de 2018? Estamos falando de um livro, de um romance, de uma ficção. Mas, se este nos incomoda, nos dói, é porque de realidade tem de sobra. Não é?
O parágrafo termina assim:
Estamos trabalhando para atingir a meta de um pequeno jardim para cada uma, cada uma de vocês - as mãos unidas com os dedos cruzados de novo, a voz suspirante - , e essa é apenas uma, por exemplo. O dedo levantado, balançando para nós. Mas não podemos ser porcos esganados e exigir demais antes que seja pronto, não é mesmo?
E nós mulheres, como terminamos? Como vivemos hoje em pleno século XXI em nossa República de Gilead chamada Terra?
Carolina Cavalcanti Bezerra
Namorinho de Sofá