CroNIque-SE
















A violência em "Helena" de Manoel Carlos e o recente escândalo sexual da Rede Globo
(por Carol Cavalcanti em 10/12/2020)

Com o início da pandemia e as demissões aumentando na Rede Globo, um cargo que com certeza ganhou vez na emissora foi o de editor de imagens. Com tanta reprise no ar, a grade de novelas da emissora mais parece um Vale a Pena Ver de Novo ou o próprio canal Viva em si. E, para quem conhece um pouco essa arte de editar e tem um olhar mais observador, percebe que a edições dizem muito do que será da novela em termos de duração e até mesmo quais assuntos devem ter mais destaque na nova roupagem.

Venho percebendo o trabalho árduo de edição com a novela Laços de Família, que foi exibida pela primeira vez em 2000 e foi escrita por Manoel Carlos (o escritor das Helenas). Seus personagens principais são: Vera Fischer, Tony Ramos, Carolina Dieckmann, Reynaldo Gianecchini, Marieta Severo, José Mayer e Deborah Secco.

O enredo - super resumindo, claro - conta a história de uma mulher mais velha (Fischer/Helena) que se apaixona por um galalau de vinte e poucos anos (Gianecchini/Edu) e que disputará esse amor com a filha mimada (Dieckman/Camila). No meio de tudo isso tem uma tia intrometida (Severo/Alma), um possível amor maduro (Ramos/Miguel), uma ninfeta menor de idade (Secco/Iris) claramente inspirada em Lolita (1955, Vladimir Nabokov) só que na versão rural e o garanhão-bruto-pegador (Mayer/Pedro).

É sobre "O Pedro" e a edição de suas aparições que quero falar. Se você ainda está em home office, mesmo que parcialmente como eu e pode organizar seu tempo de trabalho, assista à nova novela "Helena" (2020) das tardes da Rede Globo e me diga se não faz, nem que seja um tiquinho de sentido, o que estou pensando.

A primeira coisa que você vai perceber pela edição é que a novela veio para ficar por um bom tempo (a narrativa é bem linear entre os capítulos), mesmo que tudo que a gente assista seja surreal ao nosso olhar atual (só tem rico ou muito rico, não tem pobre; os celulares são enormes; as pessoas tem telefone fixo; silicone, beição e dentes platinados não fazem parte da moda dos anos 2000, tem uma personagem que usa aquele elástico para segurar os óculos; as pessoas não usam máscara ou álcool em gel etc. etc. etc.).

Porém, o que mais me impressionou desde sua reestreia é como o papel do cowboy tupiniquim do José Mayer tem destaque, especialmente as cenas em que ele assedia moral e sexualmente a veterinária Cíntia (Helena Ranaldi) ou agride fisicamente a apaixonada-enjoada-pentelha Íris. A cena em que ele deixa a garota de calcinhas em seu colo e dá-lhe umas palmadas é imoral!

Tendo a oportunidade de assistir a vários capítulos percebi que essa exposição continua com a mesma intensidade com o passar dos capítulos. E, rapidamente me veio um insight....a Rede Globo está preparando o caminho para o retorno do ator José Mayer, que está afastado da firma desde 2017 por assédio a uma figurinista.

Um segundo fato, e que me incomoda mais, é que a nova edição das imagens não se preocupa com o horário que está sendo transmitida. Vejam, não é falso moralismo, mas além de você expor assuntos que envolvem relações sexuais e violência, você dá destaque a elas a partir de um personagem comprovadamente assediador. O que você está tentando dizer com isso? As pessoas pagam por seus erros, podem ser perdoadas, podem até mudar, mas o que essas imagens dizem, especialmente para às mulheres? Não sei se vocês sabem, mas na primeira exibição da novela, o Ministério da Justiça exigiu que todos os atores menores de 18 anos fossem retirados da trama por causa da exposição a "cenas com conotação sexual e imagens de violência doméstica ou urbana" (Google). Somente a filha do escritor permaneceu no elenco, após conseguir um mandado de segurança. 

Fazia um tempo que vinha ensaiando escrever sobre isso, mas ontem foi meu deadline, quando lá pelas quatro e pouco da matina, no primeiro telejornal da emissora, o seu âncora, leu uma declaração oficial sobre o mais recente caso de assédio da Rede Globo, contra à atriz Dani Calabresa. Ponderando sobre a seriedade que a emissora vem tratando o caso, uma fala entre vírgulas no pronunciamento me chamou à atenção. Algo do tipo: a emissora não se pronunciou sobre o caso abertamente, com detalhes e tudo o mais, para preservar a suposta vítima e o suposto agressor durante o que ainda era uma investigação. Porém, o assediador, o sei-lá-o-quê Marcius Melhem, foi demitido da emissora que "seriamente" agradeceu seus serviços (lucro?) prestados durante os 17 anos de casa, sem citar, mencionar, o verdadeiro motivo de sua saída (manter os lucros?).

Entenderam onde quero chegar? A cultura de proteção a casos de assédio na emissora é naturalizada! Outras atrizes e mulheres parte do staff da Globo relataram abusos semelhantes e nada foi feito! Emitir notinha jurídica, colocar uma mulher à frente das supostas investigações, é muito pouco. A emissora, assim como os colegas dessas pessoas, deveriam sim ter sido mais veementes em sua indignação, como foram durante o movimento Me Too ou Não Passarão (vocês terão que pesquisar, porque senão perderemos o foco aqui) em 2019; concordo!

O que não cabe mais, além da omissão, é a perpetuação de um erro de tamanha magnitude como se fosse algo...putz...normal. As telenovelas tem que ter sim um papel social com às mulheres, com os negros, com os LGTQIA+ e com todas as minorias! Veículos de comunicação são formadores de opinião e devem agir propositivamente.

Recentemente assisti ao filme Atleta A, um documentário da Netflix sobre o maior escândalo sexual nos esportes dos EUA. O filme mostra que grandes corporações fecham os olhos para a violência moral e sexual dentro de suas organizações para não sujar sua imagem e seus interesses; lucro e vitórias. É o que a Rede Globo tem feito ao não falar e ao naturalizar o assédio na personificação do pseudo-galã Pedro, de Laços de Família. Aliás, essa personagem é a própria personificação do que foi dito sobre o ator José Mayer. 

Precisamos refletir mais sobre o assunto e os acontecimentos, sim, sempre; para que outras mulheres saibam que podem falar e que terão em nós o apoio que merecem.

O BBB 20, Zélia Duncan e Eu

(por Carol Cavalcanti em 28/04/2020)

Não, eu não assisti à final de ontem do vigésimo Big Brother Brasil. E, não; eu não gosto desse tipo de programa que invade à vida e revela o pior (e alguma vezes, o melhor) dos seres humanos; mas respeito quem gosta e assiste ao programa. Resolvi escrever sobre o assunto porque ontem por volta das 23 horas fui dar uma espiada no instagram da Zélia Duncan e a mesma estava comentando sobre a final e declarando seu voto, após revelar que já teve  preconceito com a atração. Resolvi escrever, também, porque hoje logo cedo as redes sociais estavam lotadas com hastags sobre a vencedora com destaque para sua história de superação e de sobrevivência em um Brasil e mundo cercados de preconceitos. Mulher, negra, de origem humilde, adotada e médica (vencedora), além de desconhecida entre as finalistas, levou na noite de ontem o prêmio de R$ 1,5 milhão.

A ZD me fez ouvir por quase oito minutos seus motivos para reconhecer nesta edição pontos positivos. Ah, o que eu não faço pela Zélia... Um a um os concorrentes foram sendo eliminados devido a seu caráter “tóxico”, e aqui a cantora se refere aos homens machistas, misóginos e homofóbicos. Sua fala também ressaltou a importância política daquela ainda candidata ao prêmio. No momento atual, recheado de atitudes vorazes e violentas contra as minorias, estar ali na final com a chance de sair vitoriosa superando 19 candidatos, inclusive o ator Alexandre da Silva Santana (vulgo Babu Santana) que era o favorito de muitos até ser eliminado, já era uma vitória e tanto.

Eu não gosto de reality, mas confesso que vi o BBB 1 em 2002 pela novidade da atração e alguns capítulos do BBB 5, por causa do Jean Wyllys. No primeiro, o vencedor foi um vendedor de coco conhecido como Kleber BamBam, codinome ou apelido escolhido em referência ao filho de Barney, Bamm-Bamm, melhor amigo de Fred Flintstone do seriado animado Os Flintstones.  Basta olhar o rapaz para entender o porquê do Bam-Bam. Hoje aos 42 anos de idade o ex-vendedor soube cuidar de seu prêmio e vive do fisiculturismo e de renda, claro.

Já o Jean, ah.... Jean! Professor em 2005, venceu dando a cara a tapa defendendo sua homossexualidade e enfrentando à homofobia velada editada pelo programa da Rede Globo. Venceu por ser gay? E daí! Venceu pelos professores, pelos gays, pelos que defendem o bom uso da língua portuguesa, defendem à liberdade de expressão e à liberdade de amar quem desejar.  Foi por causa do Jean Wyllys, hoje com 46 anos de idade, que a ZD começou a assistir ao BBB. O ex-deputado federal,  atualmente exilado na Alemanha após inúmeras ameaças de morte, exacerbadas com certeza após a cusparada em 2018 no atual presidente do Brasil (atitude errada, do meu ponto de vista, independente da motivação e da explosão de sensações) citou a música Imorais da cantora na edição.

Os imorais
Falam de nós
Do nosso gosto
Nosso encontro
Da nossa voz

Os imorais
Se chocam
Por nós
Por nosso brilho
Nosso estilo
Nossos lençóis

Mas um dia, eu sei
A casa cai
E então
A moral da história
Vai estar sempre na glória
De fazermos o que nos satisfaz

Os imorais
Falam de nós
Do nosso gosto
Nosso encontro
Da nossa voz

Os imorais
Sorriram pra nós
Fingiram trégua
Fizeram média
Venderam paz

Mas um dia, eu sei
A casa cai
E então
A moral da história
Vai estar sempre na glória
De fazermos o que nos satisfaz

Convenhamos que não é uma das músicas mais populares da cantora, mas quem acompanhava o programa com certeza foi pesquisar, ouvir e até decorar a letra após a fala do brother. O que quero dizer é que este tipo de programa influencia pessoas, para o bem e para o mal. Se os ataques são homofóbicos, machistas ou misóginos na televisão, na há de ser diferente na vida real, seja em casa ou no local de trabalho. A mídia e seus programas influenciam atitudes; isso é fato. Educam, mas podem deseducar; também é fato.

Sabemos muito bem que são pouquíssimas as mulheres que ocupam cargos de liderança e menos ainda aquelas que recebem valores semelhantes aos dos homens por igual desenvolvimento de atividades. Sabemos que mulheres negras sofrem mais preconceito, de todo tipo. Tenho certeza que a vencedora deve ter relatado casos sofridos durante toda a sua vida até aqui, com certeza deve ter sido confundida com faxineira, talvez enfermeira, mas nunca poderia ser uma médica. Negra médica? Nosso olhar não foi educado para acreditar nessa possibilidade.  

A Zélia tinha razão. Havia motivos para ver este BBB com outros olhos: homens e atitudes tóxicas, segregação e preconceito na sua pior forma, assédio sexual e moral, misoginia e homofobia. A cantora também cravou à vencedora da edição e com certeza a repercussão que causaria; mesmo que apenas nos grupos não minoritários de mulheres, negras, faxineiras, chefes de família, estudantes de medicina, deputadas como Marielle Franco, senadoras  como Benedita da Silva, filósofas como Djamila Ribeiro ou escritoras como Carolina Maria de Jesus.

O BBB 20, Zélia Duncan e Eu. Eu? Não assisti e não gosto, tenho fotos lindas da Zélia Duncan em 2012 durante uma apresentação no Teatro Municipal em Campina Grande (PB) e alguns dizem que sou a cara dela. Será?? Se pudesse, diria assim meio que íntima "ei Zélia, de um zóio para outro zóio, grata pelo pontapé, por me ajudar a falar sobre tantas coisas importantes nessa manhã de um nem sempre intenso isolamento social".


COVID-19: as baionetas de antigamente
(por Carol Cavalcanti em 22/04/2020)
            


O que podemos aprender, até então, com este ano de 2020? Primeiro, que um vírus que surgiu do nada, talvez na China, está matando milhares de pessoas, talvez chegue à milhões e que devemos mudar nossos hábitos alimentares porque determinados animais são vetores de transmissão de velhas e novas doenças. Sim? Não? Talvez. Também descobrimos que nenhum país do mundo e nenhum sistema de saúde, público ou privado, está preparado para algo desse tipo. Imagina o Brasil (!) que tem um dos melhor sistemas públicos de saúde...Ah, mas isso é apenas na teoria e no atual discurso dos políticos.


Me vem à cabeça agora nesse instantinho um daqueles filmes de batalha, I ou II Guerras Mundiais, luta corpo a corpo, baionetas perfuram corpos esqueléticos, bombas arremessadas dos aviões, difteria, doenças das trincheiras, piolho, infecção na gengiva, febre, além da fome, da vida sub-humana, das humilhações constantes, do medo, das balas chovendo pelo céu. Você se fere e vai para um hospital de campanha. Está salvo, certo? Não, obviamente que não. Um hospital de campanha nada mais é do que algo improvisado para substituir uma estrutura que deveria ser maior, melhor e equipada para salvar vidas. Mas, como em tempos de guerra? Nas guerras citadas e em qualquer outra se escolhiam quem ia sobreviver e, preferencialmente, eram aqueles que voltariam a guerrear após “à cura”.

A gestão atual da saúde no Brasil tem feito isso. Nossos hospitais de campanha são paliativos de um sistema falido por décadas de desvios de dinheiro, falta de investimento em equipamentos, pesquisa e formação profissional. Dificilmente darão conta do recado quando o fogo cruzado chegar ao seu ápice. Você poderá ter ou não um ventilador pulmonar, mas se puder voltar à guerra será escolhido. A guerra aqui é manter forte, erguida e em número suficiente à mão de obra trabalhadora que sustenta o sistema capitalista dos tempos modernos.

Por outro lado, vocês repararam como às águas de Veneza na Itália estão límpidas? Apesar dos canais não estarem menos poluídos do que antes, dia desses uma água-viva embelezou o triste confinamento dos venezianos. O belo em um dos lugares mais belos do mundo. E o índice de poluição na China, notaram como diminuiu? Os chineses usam máscaras hoje para prevenirem o COVID-19, mas já estavam habituados com esse acessório para evitar os gases tóxicos emitidos na atmosfera. Repararam como as pessoas confinadas foram obrigadas a conviver com as diferenças, o mau humor e quem sabe, até com a flatulência e o mal hálito dos seus companheiros por 24 horas, dia após dia? Fomos obrigados a nos redescobrir nesses primeiros quatro meses de 2020.

Então: o que podemos aprender com o distanciamento social que nos é imposto atualmente? Nossa conversa destaca hábitos alimentares, sistema de saúde falido, força de trabalho, um descanso para a natureza, familiares e convivência...mas, se contarmos todos os tentáculos dessa pandemia, perderemos as contas: quem está morrendo mais (negros, brancos, ricos ou pobres), pirataria no século XXI (EUA dão mais pelas máscaras que iriam para à França e Brasil), pais que educam seus filhos em casa (assim como temos lives de exercícios físicos), entregadores de comida (nova modalidade de escravidão), o aumento dos casos de violência contra à mulher (agressões institucionalizadas) e ajuda financeira aos mais necessitados (era R$200,00 virou R$600, 00, mas quanto estão ganhando os banqueiros?). Tenho certeza que você pensou em várias outras situações que surgiram e ainda vão surgir com a pandemia. Anote, para poder dar aquele visto ao lado quando realmente acontecer e refletir sobre tudo.

Mas, o que temos certeza realmente é que sairemos outras pessoas desse confinamento. Ou pelo menos, deveríamos. E não estou falando de quem ficará mais rico e quem ficará mais pobre; sim, porque isso já está acontecendo. Estou falando das coisas que não percebemos que existiam ou que descobrimos que nos fazem melhores. Ou piores. Por exemplo, aqui em casa descobri que meus gatos adoram peixe frito (antes era frango assado de padaria), que cozinhar pode ser uma forma de lidar com a solidão (ou mesmo trazê-la para mais próximo) e que temos medo de tudo que esta pandemia e o distanciamento das pessoas e de uma rotina pré-estabelecida têm causado em nosso emocional. 

Ontem comentei com duas pessoas que quando tudo acabar vou me voluntariar, quero fazer parte das pesquisas psicológicas, antropológicas, sociológicas, nutricionais, físicas ou mediúnicas; não importa. Estou me colocando à disposição da ciência para saber como tudo isso mexeu comigo, com meu corpo e com minha mente. Confio na ciência, devemos investir em pesquisa (sacou?); mas para isso preciso estar vivo e o ficar em casa, por enquanto, é a melhor opção.


"Não sou puta, não sou santa, sou livre"
(por Carol Cavalcanti em 11/03/2020)

Hoje, após o almoço, estávamos conversando sobre relações afetivas e sexuais e uma colega de trabalho afirmou que não conseguiria ter relacionamentos esporádicos, que buscava sempre um relacionamento estável. Outra colega disse que também não. Não conseguiria, por exemplo, ter um relacionamento que durasse um, dois ou três encontros. Ela se sentiria uma... Não importa como ela se sentiria. Eu dei risada, discordando, claro. Cada um com sua opinião, certo? Esta última colega então diz "Ah, Carol, é que você pensa com a cabeça de homem" - e ela não estava se referindo à cabeça da parte inferior do corpo masculino. Dei uma olhadinha de lado e o assunto continuou, mas preferi me calar e não me expressar mais.

O comentário da minha colega talvez estivesse se referindo a minha condição sexual ou estado civil. Sei que ela não quis me ofender, mas isso ficou martelando na minha cabeça (!) até agora, me provocando, incomodando; e descobri por que. Porque nós mulheres fomos educadas a pensar, a sentir e a reproduzir os discursos construídos pelo mundo masculino e machista. Mulheres têm que casar e ter filhos, mulheres que têm muitos parceiros são putas. Assim muitas foram educadas na época da minha avó e continuam a ser educadas nos dias atuais (pelas famílias, novelas, noticiários, propagandas e etc.). De certo, não nego, fiquei muito aliviada quando cheguei à conclusão de que são apenas discursos reproduzindo esse tipo de "educação".

Na verdade, mesmo, o que me incomodou é saber que esse tipo de pensamento não somente é retrógrado, apesar de aceitável porque cada um tem direito ao seu próprio entendimento das coisas, mas também negativo para às mulheres que lutaram (e lutam!) tanto para que nós hoje pudêssemos escolher com quem, como, quando, quantas vezes saímos ou transamos com uma pessoa. Essa bobagenzinha me incomodou...somente.



Digo aqui. Mulheres não pensam com cabeça de homem porque pensam a partir de suas próprias vontades e desejos, que espero, nunca mais sejam reprimidos ou rotulados ou mesmo cerceados. Ao final a conversa terminou bem, percebemos que mesmo com as diferenças de pensamento, nos unimos nas necessidades, sejam quais forem. Sou respeitada pelos meus pensamentos, respeito os seus e isso já é uma grande coisa.




Como diz um amigo, aniversariante do dia, "quem é que paga tuas contas? Não é você! Então, você faz o que bem quiser da sua vida e ninguém tem nada com isso!". E a outra aniversariante, feminista raiz, que usa blusinha temática com os dizeres "meu corpo não é um convite", são os donos dos discursos e ações contemporâneas que desejamos ouvir nos dias de hoje. Seguimos na luta, nem que seja para combater, inicialmente, apenas os discursos enraizados na sociedade.

Ganhei um cartão fidelidade da barbearia
(por Carol Cavalcanti em 16/01/2020)

33ºC em Campina Grande, na Paraíba. Dentro de casa 33ºC na sombra e sem esforço físico algum. Quem conhece sabe que aqui em casa é quente no verão e ameno no inverno, já que não temos inverno e sim um período cada vez mais curto de chuvas, que deixa à temperatura na cidade e da casa um pouco mais frescas.

Hoje, acordei destinada a amenizar meu calor, a temperatura anda muito elevada neste verão por aqui. Pensei em pegar uma praia, mas são cerca de 120 quilômetros e muito calor até lá. Talvez um amigo com piscina pudesse me convidar para refrigerarmos os corpos juntos, mas ainda não recebi nenhuma ligação. Não posso usar o chuveirão ou ficar em trajes íntimos porque tem um pessoal arrumando uns troços na casa. Então, resolvi cortar o pouco cabelo que tinha na cabeça no modelito alistamento militar mas com um "Q" de Demi Moore em Até o Limite da Honra. Peguei meu carro e avisei aos rapazes "volto já!".

São cerca de cinco quadras até o salão do bairro que venho frequentando nos últimos meses, não somente para fortalecer o comércio local, mas também o meu bolso. “Renalda, máquina 4, por favor”. Economizo no corte que sai bem baratinho mas não perfeito, no shampoo e até economizo na paciência. Dá para lavar todo dia, mais de uma vez, não precisa de muito creme de pentear e dá até para perder a hora do trabalho; é só pular da cama e passar um gel. Tudo certo! Tudo se resolve rapidamente com um corte Demi Moore! Desolada fiquei, porém, quando verifiquei as portas fechadas, não sei se por ser uma segunda-feira, talvez férias da proprietária-cabeleireira... o que fazer? Era minha missão, diminuir minha temperatura-sensação corpórea dos últimos dias neste calor insuportável que estamos enfrentando.

Pensei rápido, continuei dirigindo até me recordar de uma barbearia nova, na mesma rua. “Será que eles cortam cabelo de mulher?” A barbearia é pequenininha, de bairro mesmo, mas tem mesa de sinuca, cerveja, mobiliário antigo, as paredes são todas pintadas de preto e tenho quase certeza que é porque homem tem mania de colocar o pé na parede. E se o barbeiro não tem barba grande, à logomarca do estabelecimento com certeza tem, entre tesouras e navalhas, um rosto barbudo e um penteado aprumado. Acho que não entra mulher, mas vai ser engraçado ver a cara deles, vou lá. Fechado também! Ódio! E agora?

Continuo dirigindo e me lembro de outra barbearia a umas seis quadras dali, não tem mesa de sinuca, não sei se tem cerveja, mas talvez esteja aberta. Bingo! Pego o barbeiro na porta, ninguém dentro, pouco movimento. “Boa tarde, vocês cortam cabelo de mulher?”. Ele me olhou seriamente e eu continuei: “quero passar a máquina no cabelo, tem algum problema por eu ser mulher e aqui ser uma barbearia?”. O rapaz ficou desconfiado, mas aceitou. Fui logo dizendo que não se preocupasse, que era rotina fazer isso e que a minha raspadora de cabelo oficial estava fechada e só por isso me encorajara a entrar em uma barbearia. Disse meu nome e perguntei o dele. Pronto! Já estávamos íntimos e enquanto raspava meu cabelo, do seu jeito, me contava que tinha retornado de Maceió pois “a vida por lá não era fácil”. Observava sua delicadeza em cortar meu cabelo torcendo para que ninguém entrasse, pois seria eu a explicar a presença de uma mulher dentro de um espaço masculino.

Moisés e eu mantínhamos uma conversa animada quando o dono do estabelecimento entrou e deu aquela encarada na cena. Fui logo dizendo “tô sabendo que sou a primeira mulher a cortar o cabelo aqui”, com uma leve pitada de ironia no tom da fala e tentando quebrar o gelo, que com aquele calor  se derreteria em segundos, na verdade. “Seja bem vinda” respondeu enquanto se dirigia ao espelho para aparar a barba comprida no modelo que usam hoje e escovar o topete. Acho que é para isso que servem as barbearias de hoje, especialmente as mais modernas; são tantas se multiplicando pela cidade que só perdem em quantidade para igrejas evangélicas.

Continuei oferecendo meus ouvidos à Moisés que me perguntava se deveria usar ou não navalha ou fazer isso ou aquilo no meu cabelo; me incomodam profissionais do embelezamento capilar que questionam ao cliente, com uma tesoura na mão, como devem fazer seu próprio serviço. Bom, ao mesmo tempo em que confessava não se importar em atender mulheres, pois cortava o cabelo de sua esposa, já não me sentia desconfortável.... mas, sinceramente, não achei que levava jeito para ter esposa; mas isso não vem ao caso. Em menos de meia hora estava pronta para voltar para os afazeres domésticos, agradecida pelo serviço, leve, o efeito psicológico era de um calor bem menor, apesar de nada ter mudado...33ºC e subindo!

Sobrevivi à barbearia e antes de sair, estendido pelas mão de Moisés, um cartão fidelidade do estabelecimento, seguido da seguinte frase: “após dez cortes o décimo primeiro...”.

“Aparar a barba será de graça?!”, me antecipei.
(Rimos todos com a situação)

Cabelo, cabeleira, cabeluda, descabelada!
(por Carol Cavalcanti em 03/01/2020)

Vira e mexe tentam nos explicar as asneiras que alguns presidentes aprontam por ai. Buscam muitas vezes explicação no emocional, no psicológico. Quantos de vocês já não leram que o problema de presidente tal é que ele ainda está ou não saiu da fase oral ou da anal. Tentam nos convencer que o problema de alguns líderes tem relação direta com o seu (sub) desenvolvimento psicossexual. Puxem na memória. Quando nossos representantes resolvem falar sobre sexo e em especial sobre homossexualidade, os especialistas logo dizem que "fulano de tal não saiu da fase anal". Mesma frase usada quando presidentes ficam brincando de apontar armas de guerra uns para os outros. "A minha é maior" "a minha é melhor!" Nos induzem logo a pensar em frustração sexual ou em algum problema mal resolvido na infância. Mas, você sabe quais são e o que significam os estágios de desenvolvimento psicossexual detalhados por Sigmund Freud? Não!

Vou dar uma geral para vocês, porque tenho outra teoria a apresentar sobre o estágio de desenvolvimento do tesão dos líderes mundias atuais que se refletem nas merdas ditas e feitas,  mas que não mantém relação direta (penso que não...) com seus órgãos genitais ou com suas necessidades fisiológicas. Devo admitir, entretanto, que estudos científicos devem ser realizados com urgência, pois nos ajudariam a entender muitas coisas. (risos)

Vamos lá! As fases foram assim divididas por Freud: 1) oral - do nascimento até os 12/18 meses de vida, está ligada à alimentação; Freud acredita que se à criança fica muito dependente da mãe em especial, pois e ela que a alimenta, o bebê pode ter uma tendência maior a fumar ou beijar, por exemplo, também é nessa fase que se forma o ego da criança; 2) anal - até os 3 anos de idade é a fase de maturidade fisiológica da criança onde aprende a controlar a urina e fezes; consequentemente seu interesse se volta para o ânus (que ela não sabe ainda, mas é uma região erógena); há aqui o reforço do superego; 3) fálica - vai até os 6 anos de idade e meninos e meninas começam a descobrir suas zonas erógenas a partir do toque (masturbação); 4) latência - segue até à puberdade e é uma fase mais calma no descobrir sexual, o que não quer dizer que não haja desejo e 5) genital - segue até a fase adulta e segundo Freud é o estágio final do desenvolvimento libidinal e as relações íntimas se estabelecem.

Na minha nova teoria, os atuais líderes mundiais, especialmente os mais controversos, deveriam ser estudados a partir dos seus cabelos. Cabelos? É, cabelos! Vejam se não tenho razão.



O primeiro, que é o mais falastrão de todos mesmo não tendo nenhuma arma de destruição em massa para botar medo na galera do mundo, diz que corta o cabelo toda (!) semana, um corte milimétrico de "reco" do exército que lembra vocês sabem quem. No mínimo uma obsessão ou um tipo de transtorno obsessivo compulsivo. O que acham?

O segundo, para nós, o homem mais poderoso do mundo só porque lidera a nação mais rica, tem arma, tem drone, tem foguete, exército e bomba atômica. Também tem uma boca do tamanho do mundo e conhecimento de menos. E a cabeleira? Dizem que é peruca daquelas que grudam com cola e vive sempre aprumada no laquê. Isso quando não bate um pé de vento e puff....embaralha tudo.

O de olhinho puxado, o mais novo de todos, é conhecido como ditador. Tem um exército bem treinado, condicionado ao marchar, muitas armas, bomba atômica e adora ficar apontando míssil para seus inimigos. O que dizer desse corte? Um moderno tradicional estilo forças armadas? Vive ameaçando o número dois, já apontou foguete para as bandas de lá, mas também já apertaram as mãos numa tentativa de....sei lá do quê?!

O quarto vive descabelando seu país. Fala enrolada, tem cara de roupa amassada, assim como seu cabelo. É conservador, radical na medida que lhe é permitido, pois seu povo não responde apenas aos seus arroubos. Tem arma, tem exército, tem bomba, tem muita história vitoriosa, mas ainda não sabe se sai ou se fica. Um desgrenhado.

E, por fim, aquele último ali na ponta. Não conseguimos ver cabelos - seria careca? -, o que para sua religião reforça muito o seu poder. Tem vários adjetivos contra si: ditador, sanguinário, torturador, opressor, entre outros. Tem arma, foguete, bomba e homens-bombas. Não mede esforços para manter seu povo oprimido e parte disso é feito com o uso da força. Os possíveis cabelos cobertos pelo turbante imponente representam muita coisa, mesmo que para nós apenas a curiosidade de saber o que há por baixo dele.

Percebam a lógica da minha teoria, que tem como personificação representativa a parte superior do crânio (e não o que deveria haver dentro deles): o primeiro ama o segundo, mas o segundo não tá nem ai; o segundo já apertou a mão do terceiro, mas era tudo fachada; o terceiro defende o quinto e vice-versa pois são da mesma laia; o quarto não tá nem ai para o primeiro, mas não se atreve a brigar com o segundo e nunca atira a primeira pedra no terceiro ou no quinto.

Poderíamos tentar construir relações políticas e bélicas (sexuais? capilares?) entre essas criaturas um dia inteiro. O fato mesmo é que além da "extravagância" de seus cabelos, todos hoje comandam suas nações e povos com pulso forte e radicalismo, seja nas ações ou nas falas. E isso é mais preocupante que o mal gosto para cortes e penteados.

Ontem, o quinto foi atacado pelo segundo e prometeu VINGANÇA (!!). O primeiro, que também é o menos inteligente (estou sendo bem educada), num acerto inimaginável preferiu não se manifestar antes de trocar umas ideias com pessoas supostamente mais aptas. O quarto pediu calma ao se descabelar ainda mais com a possibilidade de uma nova guerra, mais perto de si do que do segundo. O terceiro apoiou o quinto, pois estão ainda na fase anal... ops, desculpa!....porque gostam de apontar suas armas para o segundo.

Então, o que acham? Deveríamos ou não estudar o hairstyle dessas criaturas que decidem sobre nossa existência? Ai Freud! Será que dá para alavancar uma teoria baseada na cabeleira desse povo? A sua sobre ego e superego é tão convincente...mas, não pode ser tudo sexual, pô! Ou pode?!

Por fim. Conselho: tenhamos fé e saibamos escolher onde cortar nossa cabeleira, isso pode mudar nossa participação no mundo.


Um dia qualquer de férias
(por Carol Cavalcanti em 10/01/2018)

São 05h47 e algo sonoro me desperta - uma mensagem chega em meu celular. Não quero me levantar, mas me lembro de toda organização para o dia de hoje. Como ainda estou de férias preciso colocar em ordem algumas coisas, ir doar sangue – algo que não faço desde 2016 -; levar aquele vestido guardado para lavar usado uma única vez e que agora tem uma mancha que, talvez, já estivesse ali antes, mas nunca havia prestado atenção; e passar no trabalho para ver como as coisas estão mesmo de férias.

Às 06h acabo de ler todas as mensagens, postagens, curtidas e xeretado na vida de toda a rede social disponível. Sonolenta me levanto, abro a porta da frente para meus três gatos e, preguiçosamente, me arrasto até o local onde fica a comida. Verifico que apenas água precisa ser acrescentada. “Esses gatinhos estão condicionados a comer sempre no mesmo horário, querem comida nova, mas precisam...”, reflito em voz alta. Retorno ao quarto com vontade de me deitar,  lembro da minha curta programação de atividades para hoje, tomo coragem e vou até a caixa higiênica dos felinos e ao que sobrou do jardim e recolho suas necessidades fisiológicas; hoje é o dia do carro de lixo passar. Tomo café sem açúcar, pão feito por mim e uma fatia de mamão, que depois é lambida e devorada em pedaços por um deles.

7h15. Já estou no hemocentro e a fila de doadores é razoável, quase desisto, mas logo sou chamada e me adianto à atendente - “nada mudou moça, endereço e telefone são os mesmos”. Ela pergunta se a doação é voluntária ou para alguém específico e respondo com os olhos arregalados: “voluntária!”. As últimas duas vezes que doei sangue foram para pessoas que necessitavam já-hoje-agora! Elas morreram meses depois, fiquei meio traumatizada.

Furaram meu dedo, aumentei 1,8 kg e peguei meu último resultado, aquele de 2016; nada de sífilis, hepatites ou HIV. O penúltimo passo era aferir a pressão e responder a um questionário sem sentido. “A sua pressão é sempre baixa?”. “Sim, sempre, 11, 10 por 7... ela ainda está acordando”, respondi achando que a piada era boa. “Ela está 9 por 6”, não poderá doar”. “Já passou mal alguma vez?”. “Não, não”, respondi tensa com a possibilidade de minha programação ser destruída. “Tome um lanche e em dez minutos se ela estiver em 10 tudo bem, fará a doação. Vamos adiantar seu questionário”. A coitada não teve a chance de fazer mais do que três perguntas, as quais respondi, e encerrei o questionário com um “não para tudo e sim para o que deve ser sim”. Ela riu e mandou-me para a cantina. Doze minutos depois, pressão em 10.

Vamos ao que interessa, o mote das palavras no papel em branco, o acontecimento que me motivou a escrever. Sento-me em frente à penúltima enfermeira daquela manhã, a que etiqueta os tubinhos com códigos de barra, entreguei meu documento, ela repetiu meu nome e eu concordei “Sim, sim, sou eu”. Do nada ela diz “Não consigo mais ler, minha vista embaça, nem a ‘palavra’ que gosto de ler todo dia consigo enxergar bem. Ler a bíblia é muito bom, não acha?”, olhando fixamente para mim. “Não é?”, respondo, inocentemente dando liberdade ao prosseguimento da ladainha. Minha boa educação, o cedo da hora, o estresse da pressão que não subia, fez-me silenciar e ouvir até o fim, até uma cadeira de doação ser liberada. “Vá, vá!”, ela diz, com um sorriso de quem converteu mais uma, “tem uma cadeira livre logo ali”. Sentei-me atordoada com o açucarado do suco de manga, coloquei a bolsa onde me fora indicado e repousei Amós Oz[i] sobre meu colo. Somente neste instante me dou conta, “Oh!”, no olhar da terceira enfermeira e o papo da vista embaçada... Judas, o apóstolo iscariote[ii], deitado sobre minhas pernas. Virei o livro com seu título de cabeça para baixo.

Quem sou eu, que apenas tenho fé na humanidade, para contestar a crença de um crente em condenar Judas por seus supostos atos? Amós Oz tem razão ao falar que as verdades (fé) das pessoas são inquebráveis. Eu, melancólica ao final da metade de minha manhã, desisto de deixar o vestido na tinturaria.   




[i] Escritor israelense, atualmente com 78 anos (na época desta escrita, pois hoje o mesmo é morto). Sua obra fala de uma utópica paz entre judeus e muçulmanos. São cerca de trinta livros entre ficção e não-ficcionais que receberam alguns prêmios literários importantes, como o Prêmio Goethe, em 2005, e o Prêmio Franz Kafka, em 2013.
[ii] Iscariote, no dicionário de Portugal, apresenta dois significados: traidor ou homem velho.

Escrevi este texto em janeiro de 2018, tava guardadinho, junto com as anotações da minha prima Luciana Darce para melhoria do texto, inclusive sugerindo a mudança do título, inicialmente 'Vestido Manchado'.

Confraternizações, o que nos acrescentam?
(por Carol Cavalcanti - 17/12/2019)


Dezembro para muitos é o mês para refletir, de pegar a lista das metas do início do ano e verificar quais foram alcançadas, quais não, se o peso na balança aumentou, ou não, se o amor da sua vida te encontrou, ou te deixou. Mas, também é a época do ano em que nos reunimos com o "pessoal da firma", com o grupo da ginástica, com o pessoal do trabalho e até com o pessoal do trabalho dos outros. São as famosas confraternizações. Têm umas mais animadas que outras, com música e até orquestra. Dançar é um ritual para fechamento de ciclo. Despeja-se tudo de bom e de ruim na pista de dança. Também come-se horrores! Especialmente nas confraternizações do trabalho ou da família, mais comportadas e que acontecem durante o dia. Beber? São litros e mais litros de cerveja, caipirinha e vinho e lá pelas tantas de cerveja-caipirinha-vinho-tudo-junto-dentro-do-estômago.

Quando ficamos mais velhos e até a confraternização está fazendo aniversário de existência, os encontros ficam mais interessantes. Continuamos bebendo litros e litros. Mas, evitando misturar os drinks falamos sobre todo tipo de assunto. Distribuímos presentes, mimos, fazemos discursos, embargamos a voz, alguns seguram as lágrimas enquanto outros choram sem vergonha. Desabafam.

As confraternizações são assim, especialmente entre amigos. A intimidade conquistada por muitos anos de amizade, junto com a bebida no sangue, te encorajam a declamar poesias escritas de próprio punho, discursos políticos nunca faltam, todo mundo vira um pouco psicólogo (mesmo sem formação) e são muitas, muitas as fotografias tiradas. Atualmente, são muitas selfies e registros nas redes sociais. Nos expomos completamente.

Somos mais alegres e perdemos a seriedade do ambiente de trabalho ou da sala de aula após a segunda cerveja. Falamos alto, falamos todos ao mesmo tempo, ninguém se entende e fica difícil organizar os assuntos. Muita euforia e empolgação, todos precisam falar. As "confras" despertam nas pessoas a coragem que não sabiam que tinham.

A necessidade de falar, algumas vezes, ultrapassa à intimidade das relações estabelecidas. Claro que potencializado pelos drinks em excesso. Tem gente que rouba selinho na boca e diz que foi sem querer, achamos que conhecemos as pessoas profundamente e então julgamos e damos conselhos "a torto e a direito", questionamos o sim e o não das coisas ou ainda entendemos errado o que a outra pessoa quis dizer. Tudo é uma questão de prisma, de olhar... ou de ouvidos. Ouvimos o que não nos agrada e respondemos diretamente, encerrando o assunto. Evitamos conflitos, discussões e brigas.

As confraternizações, no final das contas, não devem ser levadas tão a sério. Ou melhor, o que se diz e como se age, não devem ser motivo de separação. Principalmente porque estamos enebriados, embriagados e emotivos.

"Ando tão à flor da pele/qualquer beijo de novela me faz chorar"

Mas, gente! As confraternizações não devem passar em branco. Passamos horas e horas conversando e, em um mundo tão digital onde se encontrar é sempre minimizado pela troca de mensagens, tais momentos devem ser mais de alegria do que de tristeza. Devem ser de abraços, beijos, sorrisos e danças. De brindes e troca de afagos. De verdades que não machuquem, mas que te façam crescer. De troca de olhares, porque você sabe o que pode ou não ser dito para a outra pessoa. De respeito e de afeto, num mundo hoje tão pouco gentil.

Confraternizar significa estar em convívio com outras pessoas com sentimentos confraternais. Ou seja, de forma afetuosa, amigável e cordial. Talvez esses encontros repitam-se com o intuito de nos ensinar a ser mais amáveis também nos demais onze meses do ano. 

O mundo precisa de mais trocas de olhares e segredos, de felicidades e abraços. De mais sorrisos e gentileza. De mais cumplicidade e amizade. Precisamos refletir quando as palavras nos doem, mas também nos alegram, e decidir o que fazer com isso.

Seja troca de energia ou encontros ao acaso, somos nós quem sabemos o quanto o ato de confraternizar pode ser essencial à humanidade em um mundo tão cheio de preconceitos.






Nenhum comentário:

Postar um comentário